quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

É, mãe, eu sou lésbica!

Eu tenho um amigo que há dois anos me disse que tinha um negócio pra me falar. E por vários dias ele fugiu da conversa. Ele queria me falar algo muito importante sobre a vida dele, mas acabava desconversando. Até que um dia, do nada, ele me chamou num canto e me disse, “eu tenho um negócio pra te falar, é sobre opção sexual”. Eu cortei ele e disse, “tá, tu és gay”. Ele ficou todo sem graça e disse que sim. Ele tava super nervoso pra me falar isso, pensando sobre como seria a minha reação. Eu disse, “tá, tudo bem. Eu te amo do mesmo jeito e quero que tu sejas feliz como tu quiseres. Estou aqui pra tudo”. Eu era a segunda pessoa para quem ele estava contando isso, ninguém mais sabia e ele nem mesmo tinha ficado com um homem. Ele se assumiu pra mim. Eu perguntei, e tua família? Ele disse, “ah não, nunca. Só quando eu for financeiramente independente”. Eu entendo isso. Eu entendo ele. Eu sei o que é não poder contar com as únicas pessoas que você realmente faz questão. Sabe o que é? Ele não pode deixar de ser o bom filho. Ninguém pode. E ser gay implica em uma infinidade de coisas. Não deveria ser assim, mas é.


Eu venho de uma família de três irmãs e por mais que as três filhas se matassem pra ser exatamente o que minha superestimada mãe sonhou para as nossas vidas, eu não consegui desempenhar o papel “pra sempre”. Eu acho que passei muito tempo perto disso. Da perfeição dela. Boa parte sem fazer muito esforço, só pecava nas minhas notas que eram da média pra cima enquanto das minhas irmãs eram só excelentes. Nunca fiquei porre, não fumo, não passo vergonha por aí. Nunca cheguei em casa de manhã. A gente conseguia manter a imagem de família perfeita até quando tava tudo errado. O que eu sempre achei o cúmulo. Porque eu sempre preferi ser feliz a viver de aparências. Eu sempre discordei da ditadura de mãe superprotetora, eu sempre fui diferente. Sempre tive personalidade demais para seguir os padrões. Porque o meu padrão não é esse, esse é o padrão dela, mas todo filho sabe que pior do que fingir que está feliz para agradar a mãe é falar a verdade. Ou não falar e a verdade simplesmente aparecer. Pior do que ter uma mãe superestimada é ser gay, ter uma mãe superestimada, sua mãe descobrir que você realmente se interessa por uma pessoa do mesmo sexo e você decepcionar essa mãe superestimada. E então, ela passa a ser uma mãe envergonhada e completamente sem estima. E a responsabilidade disso tudo ela joga sobre você.


“As mães são sempre tão superestimadas. Talvez seja em função do tal amor incondicional para seus filhos que elas são sempre as primeiras em que pensamos quando passamos por alguma dificuldade, mas e quando para nossa surpresa, esse tal amor incondicional esbarra em algo? Sempre esperamos que nossas mães abram seus braços e nos acolham independente de qualquer coisa e elas costumam fazer isso, desde que sejamos sempre o filhinho da mamãe. Limpinhos, cheirosos, educados, estudiosos, responsáveis, caseiros, obedientes. É longa a lista de atributos que nossas mães esperam que tenhamos".


Eu sempre fui tudo isso. Sempre obediente, nunca chegava mais tarde do que o previsto, sempre avisei aonde estava e com quem. Sempre saía com amigos. Eu não precisava mentir. Também não respondia aos mais velhos. Enfim, eu era mais uma filha perfeita da família perfeita que minha mãe fazia de tudo pra achar que existia. Mas aí as coisas mudaram.


Depois da minha breve autoaceitação eu perdi o controle de tudo e aconteceu. Ela soube e veio me perguntar. Assim, bem diretamente, jogaram verde e eu não tive nem como negar. Eu imaginei toda aquela reação negativa da parte dela, mas, no fundo, eu tinha esperanças... Admito, achei, ou sonhei com a possibilidade de que fosse "o momento de ter ao meu lado, mais uma vez, aquela que sempre me pegou com força contra si e fazia do seu corpo o meu escudo contra as armas do mundo. Mães sempre sabem. Podem não querer acreditar, fingir que não está acontecendo, mas não importa o quê e como, mas elas sempre sabem, às vezes só não querem admitir para não ‘sofrerem’".


Logo em seguida sumiram todas as minhas inúmeras qualidades cultivadas ao longo da vida. A filha honesta, bem criada, com a cabeça no lugar sumiu. Eu passei a ser a filha perdida, longe de Deus, trilhando o caminho da perdição e da promiscuidade. E claro que era tudo culpa “daquelazinha” (a mulher da minha vida). As noites em claro estudando estranhamente deixaram de existir, os inúmeros elogios desapareceram. Todas as notas boas sumiram dos boletins. O título de melhor trabalho do semestre, tudo, tudo sumiu. "Eu desobedeci minha mãe. Claro que não foi a primeira desobediência, mas foi a maior e pior de todas. A única que eu jamais poderia ousar em cometer".


Ela sentia, então, vergonha de mim. Decepção. Nojo. Desespero. Medo. Tudo junto. Veio também a promessa de nunca falar sobre o assunto, o pedido desesperado de que eu parasse com isso porque eu não sou assim, são apenas as más influências. Veio a cobrança, as reclamações, insinuações, o regular dos horários, companhias e locais.


"O abraço desejado de 'minha filha, eu te amo acima de qualquer coisa' não veio. Mas veio o choro. Não o de cumplicidade, mas o de desapontamento, de desespero, de decepção. O do desapontamento dela. E do meu desapontamento. O da dúvida sobre 'com quem contarei agora?'". Foi incrível como a coisa que me fez mais feliz em toda essa vida, foi suficiente para destruir tudo e se sobrepôs a todo o resto. Se eu dissesse “mãe, estou grávida”, eu receberia o abraço, apesar da irresponsabilidade assumida e cometida. Ela mesma me disse isso, entre muitos outros absurdos que machucam. E COMO machucam. “Preferia que você estivesse grávida, pelo menos eu ia cuidar do meu neto”.


Mesmo tendo se passado quase um ano eu ainda não aceitei. Não me recuperei. Não perdoei. Não sei se vou. E talvez nem queira. Me conformei. Como toda mãe que sempre sabe de tudo, ela percebe a tristeza no fundo dos meus olhos, mas como dizer a ela que esse sentimento vem da briga com a minha namorada? Eu tive que aprender a me virar sozinha. Só. Sozinha. Sem irmãs, sem pai nem mãe. Mas com os Amigos. Ou seriam anjos? Eles existem.


Não sei. Só sei que sinto inveja de outras amigas minhas cujas mães agem de forma contrária. Sei também que essas mães são a minoria. Minha Sogra é um delas, graças a Deus. Sei que continuo sendo exatamente a mesma e que talvez ela não tenha enxergado de fato como eu era. Sei também que não existe ex-mãe. O pior é que às vezes até parece que seria mais fácil ou menos difícil se existisse. Assim como sei que não terei sua benção para trilhar meu caminho por que, mãe, eu sou gay.

3 comentários:

  1. Possivelmente tudo o que eu escrever aqui serão coisas que você já sabe há muito mas não custa nada tentar.
    Alguém da sua família já sabe e isso já é um começo. Aceitar ou não é problema dela. Felizmente não podemos mandar nos sentimentos alheios. Só espero que ela mantenha o respeito e a educação para contigo. Quanto aos problemas como falta de apoio, PRINCIPALMENTE, em questões de relacionamento é até melhor que ela fique de fora. A minha mãe e outras que eu conheço não são de muita serventia nessas horas. Na verdade mais atrapalham do que ajudam. O ciúme e a possessividade materna são um perigo.
    Imagino que suas irmãs também já saibam. Então falta apenas o seu pai. Então boa sorte com os estudos e na busca de um bom emprego. Que é pra poder alugar a SUA CASA e não ter mais que depender dos outros. Pois quando falamos de dinheiro e poder até mesmo parentes são os outros.
    Um abraço e boa sorte.

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  2. Linda, eu sei o quanto dói de repente virar a ovelha negra da família, minha namorada passou por isso os 18 anos quando a mãe dela descobriu, e desde então, eles decidiram não falar mais obre o assunto e fingir que nada acontece, eles sabem da orientação sexual dela, mas preferem não tocar no assunto, isso depois de reprimir demais, sabe?
    Ela está na fase de conquistar se não a confiança, ao menos conquistar respeito. Minha família não sabe que aos 30 anos me apaixonei por uma mulher e me relaciono com ela, só meu irmão sabe e ele é hetero, mas me aceita, respeita...

    Busque sua autonomia, estude, viva a sua vida e pague suas contas, a sua mãe é apenas uma parte da sociedade que finge que nos aceita, a culpa não é dela e sim de ideologias que reinaram absolutas, deixando preconceitos e ditando regras de comportamentos diversos em nome de estruturas econômicas e religiosas... Aprendemos o que é certo e errado sem que estes conceitos sejam nossos e sim de fora, de outros que dominam o mundo intelectual/social/ideológico... Poder, sabe? Sempre o poder... E em nome do poder, matam o corpo e castram as formas de afeto.

    Que pena que o amor é divino mas nem sempre é aceito e livre...

    Seja forte, lúcida, ame sempre, mesmo quando não te amarem, o mundo não está pronto para o amor e sim apenas para o biológico e para o sexo... Calma, ame, não se exponha tanto socialmente, vc só precisa amar e ser amada..Um dia as coisas se colocam no lugar, viu? Beijo grande na tua alma.

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  3. A sua história é muito parecida com a minha!!
    De uma filha "perfeita" à uma filha "tomada pelo capeta". Deus, qtas noites chorei por ve-la chorar... qtas noites pensei em me matar!
    Já tive esperanças tbm.
    Hoje não tenho mais lágrimas, já se passaram alguns meses e eu vou levando as coisas como posso... vivo a minha vida e ela, juntamente com meu pai, a vida deles.
    Os ajudo sempre, trabalhando, sou educada, emfim, todas as mesmas atitudes positivas de antes, pra tentar provar à ela, que sou a mesma, que amo da mesma forma, que o fato de ter revelado que gosto do mesmo sexo, não muda nenhum momento a pessoa que sou.
    Nos falamos muito pouco, ás vezes ela faz "piti" e dias depois puxa um papo aqui e outra acolá. Me deia bastante confusa!!

    Enfim,
    Torço pra que um dia tudo se ajeite pra mim, pra vc e pra todas as pessoas que passam por isso!

    Fique com Deus.

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